Uso de Hipotermia Induzida no Colapso Súbito Pós-Natal: Um Estudo Retrospectivo

Introdução: O colapso pós-natal súbito inesperado, apesar de raro, condiciona potenciais consequências dramáticas. As intervenções terapêuticas são limitadas, mas a hipotermia induzida tem sido considerada após estes eventos. O objetivo deste estudo foi analisar os casos de colapso pós-natal súbito inesperado submetidos a hipotermia induzida nos cinco centros portugueses que a realizam.
Material e Métodos: Estudo descritivo retrospetivo multicêntrico dos recém-nascidos submetidos a hipotermia induzida após colapso pós-natal entre 2010 e 2018. Foram analisadas as variáveis clínicas, a monitorização por eletroencefalograma de amplitude integrada e imagem por ultrassonografia e a ressonância magnética cerebral. A análise estatística foi efetuada com apoio do IBM SPSS Statistics version 21.
Resultados: Foram submetidos a hipotermia terapêutica por colapso súbito 22 recém-nascidos, 82% outborn, todos com 36 ou mais semanas de gestação e Apgar 5´ ≥ 8. A situação ocorreu nas primeiras duas horas de vida em 73% (todos com menos de 24 horas de vida), 50% no contacto pele-a-pele, 55% associados à amamentação e 23% durante partilha de cama. Os recém-nascidos observados apresentaram encefalopatia moderada a grave e acidose grave (mediana: Thompson 16, pH 6,90, défice bases 22 mmol/L). Entre os recém-nascidos, 95% registaram alteração no eletroencefalograma e 46% padrões graves de ressonância cerebral. A taxa de mortalidade foi de 50%. Identificaram-se possíveis causas em 27%.
Discussão: Estimou-se uma incidência de 2,7 casos de colapso pós-natal súbito inesperado por cada 100 000 nascimentos, um valor possivelmente subestimado. O colapso ocorreu no primeiro dia em todas as crianças, a maioria nas primeiras duas horas, tal como descrito em publicações anteriores. Identificaram-se possíveis causas em menos de um terço dos casos, mas múltiplas condições predisponentes foram referidas, o que sugere a possibilidade de adoção de medidas preventivas. O posicionamento do recém-nascido e o contacto pele-a-pele têm sido as práticas mais discutidas. Uma proporção significativa das crianças teve uma evolução desfavorável. Um desfecho mais positivo parece ter ocorrido nos casos em que se verificaram valores inferiores na escala de Thompson, normalização do eletroencefalograma de amplitude integrada e ressonância magnética normal. Embora não estejam disponíveis ensaios conclusivos sobre a utilização da hipotermia terapêutica após o colapso pós-natal, o seu uso tem sido considerado individualmente. Nesta revisão não foram observados efeitos adversos diretamente relacionados com o procedimento, mas os resultados não permitem obter conclusões significativas.
Conclusão: Na nossa amostra nacional de 22 crianças que sofreram colapso súbito pós-natal e submetidas a hipotermia terapêutica, uma proporção significativa teve uma evolução desfavorável. A nossa experiência e a raridade da entidade clínica não permitem delinear conclusões precisas sobre a aplicação da hipotermia induzida no colapso pós-natal súbito inesperado, pelo que se considera essencial a prevenção. O benefício desta terapêutica poderá ser clarificado através do registo sistemático dos casos e do seguimento a longo prazo das crianças. Embora não existam ensaios clínicos que permitam a sua validação após estes eventos, a hipotermia induzida deve ser uma opção a considerar individualmente. A associação do colapso pós-natal com determinados comportamentos e fatores de risco evidenciam a sua potencial prevenção. Devem ser implementadas estratégias de monitorização nas primeiras horas de vida que permitam simultaneamente a contínua promoção da amamentação e do contacto pele-a-pele.

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